A exortação de Jesus «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita» (Cf. Lc 13,24) revestia-se de particular importância para a sociedade do seu tempo, justamente preocupada com as questões do mal, da morte, da vida depois da morte, e da salvação.
Hoje, pelo contrário, a preocupação é viver bem. Comer e beber, viajar e ter uma vida ‘instagramável’. Que relevância pode, então, ainda ter uma exortação ao sacrifício num mundo que gosta de rimar facilidade com felicidade? Porque hei de procurar entrar por uma porta estreita quando o mundo me oferece tantas portas largas?
Naturalmente, a largura da porta de que Jesus fala não é uma questão de metros ou de centímetros, assim como a salvação não é uma questão de números.
À pergunta «São poucos os que se salvam?» (Cf. Lc 13,23) Jesus responde com a salvação como dom, não com medidas ou com contas.
Ela não é uma conquista somada por nós mas um presente imerecido e gratuito de Deus para ser acolhido. E para ser acolhido no plural: «Hão de vir do Oriente, do Ocidente, do Norte e do Sul» (Cf. Lc 13,29), «povos de todas as línguas» (Cf. Is 66,18).
É, pois, preciso não esquecer também aqueles que ainda não se colocam as questões do sentido da vida ou da morte, aqueles que se dizem sem fé, e aqueles que pensam e vivem de modo diferente.
A porta, estreita, mas sempre aberta, é Cristo, rosto da misericórdia de Deus.
Ela torna-se estreita quando caminho de mãos dadas com tantos homens e mulheres que tenho tido a graça de conhecer ao longo dos anos e que recuso deixar para trás ou pôr de lado. Numa relação nem sempre fácil, que exige abnegação e entrega. Nem todos têm o mesmo ritmo. Mas todos fazem parte de mim. É estreita porque somos muitos. E é preciso que todos passem, porque a todos espera o Senhor para sentar à sua mesa. «Como filhos.» (Cf. Heb 12,7)
Além disso, a Salvação envolve toda a vida humana, não é apenas uma questão de Domingo ou de quantas orações faço todos os dias ou ainda, como padre, quantas Missas celebrei ao longo da vida. É também uma questão de justiça, de solidariedade e de paz.
Àqueles que, agarrados de forma ‘farisaica’ ao cumprimento de preceitos, têm muitas certezas quanto à sua própria salvação, o Senhor diz: «não sei donde sois» (Cf. Lc 13,27). Não é possível abraçar a Porta escancarada da Salvação sentados na soleira das nossas certezas.
A pergunta hoje colocada a Jesus surge no contexto do caminho, não do sofá em que tantas vezes nos sepultamos de comando na mão: «Jesus dirigia-se para Jerusalém». Faz-se peregrino. Faz-nos peregrinos. Com Ele. E uns com os outros. Também vós: «levantai as vossas mãos fatigadas e os vossos joelhos enfraquecidos, fazei caminhos retos para os vossos pés, para que o coxo não coxeie mais, mas seja curado» (Cf. Heb 12,12-13).
Leituras:
1ª: L1: Is 66, 18-21; Sal 116 (117), 1. 2; 2ª: Hebr 12, 5-7. 11-13; Ev: Lc 13, 22-30