Depois da passagem pelo deserto, no primeiro domingo da Quaresma, a Transfiguração do Senhor, no passado domingo, cobriu o caminho para a Páscoa de flores e de esperança (Cf. 2ª leitura).
Mas o Homem tem memória curta (Cf. Salmo e 1ª leitura) e, quando a boca lhe começa a secar, ou sempre que bate no fundo da ‘pirâmide de Maslow’, o coração aloja-se no estômago ou nos rins e começa a questionar a existência de Deus. O frei Manuel Rito diz, num dos seus poemas, que «A pobreza dói mais quando é o estômago a ouvir o grito». Seja por sede, seja por ingratidão, a verdade é que, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, 785 milhões de pessoas não têm acesso a água potável. E nós sabemos como a sede nos pode matar rapidamente. Em Timor-Leste, os Capuchinhos, experimentaram ao longo de muitos anos a escassez de água e fizeram vários poços e furos para seu uso e das comunidades cujo cuidado pastoral lhes está confiado. Do rochedo do seu amor (Cf. 1ª leitura) e da areia da nossa fé, o Senhor providenciou!
Todavia, no encontro de Jesus com a Samaritana (Cf. Evangelho), junto ao poço de Jacob, em Sicar, provamos outra água e outra sede, que nos sacia de um modo absolutamente novo, e alarga os nossos horizontes.
Enquanto os discípulos foram à cidade comprar comida, não para os pobres mas para eles mesmos (quantas vezes Jesus tem de lhes lembrar para darem de comer aos pobres… ver, por exemplo, Mc 6,37), o Senhor ‘ensaia’ a sede, a mesma que irá sentir, algum tempo depois, no alto da Cruz (Cf. Jo 19,28). Sede do amor, da fé, da vida, daquela mulher e de todas e todos. Quer fazer dela e de nós uma nova humanidade, escavando com abraços de perdão o poço de águas inquinadas em que se torna, tantas vezes, o nosso coração.
O Senhor tem sede e os seus discípulos foram buscar comida… ainda não perceberam nada! Por isso, Ele pede água a uma mulher da Samaria para depois lhe poder estender, e a todo o seu povo, tido por herege pelos judeus, o cântaro da salvação.
Ela, jogando à defesa com um coração magoado pela vida, ataca lançando algumas farpas religiosas que o Senhor aplaca confrontando-a com a sua história pessoal de desamores e depois saciando-a com uma água mais forte do que a sede. Pois, quando Jesus lhe diz «Vai chamar o teu marido e volta aqui», não o faz como quem diz ‘já te tramei’… O olhar de Jesus pousa no amor e não no erro. Pede-lhe a água do discernimento pessoal para lhe oferecer a água de um amor renovado.
Ah! «Se conhecesses o dom de Deus»… não te preocupavas nem com Jerusalém nem com Garizim mas antes em adorar o Senhor, fonte de água viva, «em espírito e verdade».
E ela deixou o cântaro, como Pedro e André deixaram as redes, para ir anunciar ao seu povo Aquele «que sabe o que eu fiz», que fala a linguagem dos corações e não a dos decretos.
«Vinde ver», disse a ‘fundadora’ da Igreja da Samaria, que não ficou a chafurdar em ‘água choca’ mas mergulhou com Cristo, novo e verdadeiro amor, no mistério do Batismo, da nossa vida em Deus. Sem ela, a Igreja da Samaria morreria de sede. Sem as samaritanas, a Igreja deste tempo morrerá de sede.
Tal como a água, também a vida, muitas vezes, é dada como adquirida… diante da experiência de dor e sofrimento, provocada pela pandemia da Covid-19 ou a guerra na Ucrânia, percebemos como ela é, verdadeiramente, um dom.
Quando tivemos de encerrar as igrejas por causa da Covid-19, fizemos jejum de ritos, encontros, liturgias e celebrações, e aprendemos a olhar com esperança para a Páscoa, nossa meta, onde aparece de forma mais luminosa a única certeza que fica, também hoje,… a de que somos chamados a adorar o Senhor «em espírito e verdade».
Leituras:
1ª: Ex 17,3-7. Salmo 95/94,1-2.6-7.8-9. R/ Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações. 2ª: Rm 5,1-2.5-8. Evº: Jo 4,5-42. III Semana do Saltério.