Ao longo da Quaresma, os párocos foram questionados inúmeras vezes sobre se este ano iria ou não haver compasso. Em particular no norte de Portugal, a visita pascal é, de facto, uma das tradições religiosas mais enraizadas no coração dos fiéis. O compasso revela a alegria pascal mas também o acolhimento de todos os que entram nas nossas casas. É a Páscoa do Senhor!
No Antigo Testamento, a Páscoa tinha o sentido de memória da passagem de Yahweh pelo Egito, ferindo os seus primogénitos mas poupando as casas dos hebreus, assinaladas com o sangue do cordeiro (Cf. Ex 12). O passar dos séculos não a fez perder o sentido de libertação da escravidão.
A Páscoa cristã celebra a passagem de Jesus do mundo ao Pai, da morte à vida. E, no cumprimento da ordem do próprio Senhor que disse «fazei isto em memória de Mim» (1 Cor 11,23-26), a Igreja celebra este mistério em cada domingo, Dia do Senhor, mas mais solenemente na Páscoa anual, preparada nos quarenta dias que a precedem e prolongada nos cinquenta dias que lhe seguem.
Mas o que é que celebramos na Páscoa? O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica ensina que este mistério compreende a «paixão, morte, ressurreição e glorificação» de Jesus e «está no centro da fé cristã porque o desígnio salvífico de Deus se realizou uma vez por todas com a morte redentora do seu Filho, Jesus Cristo» (CCIC 112).
Mas, se a paixão e morte de Jesus são um dado histórico facilmente aceite por todos, o mesmo não acontece com a sua ressurreição. Inclusive muitos cristãos, que encontram na Paixão de Cristo um sentido para o seu próprio sofrimento, implícita ou explicitamente negam a ressurreição ou adiam-na como um assunto a pensar quando se aproximar o dia do juízo.
A razão é muito simples. Para o homem de hoje, tudo tem de ser tocado, experimentado e verificado empiricamente. Isso ajuda a compreender a insistência de certo tipo de catequese e pregação nos sinais físicos que atestam a ressurreição de Jesus, como o túmulo vazio, a pedra rolada, os panos no chão, o sudário, tocar com o dedo o Ressuscitado, o testemunho das mulheres que o encontraram, o facto de ter aparecido a Pedro e depois aos doze, imaginá-lo comendo, etc. Insistir apenas nestas aparições e sinais sensíveis é meter a ressurreição num laboratório e, de algum modo, abdicar da sua transcendência. Mas, como disse São Paulo, «se Cristo não ressuscitou, então é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé» (1 Cor 15,14).
A Igreja ensina que, «embora seja um acontecimento histórico […], a Ressurreição, enquanto entrada da humanidade de Cristo na glória de Deus, transcende e supera a história, como mistério da fé.» (CCIC 128)
Importa, pois, compreender a unidade de todo o mistério pascal. O teólogo Roger Lenaers afirma que é no sacrifício da cruz que o Filho do homem é glorificado, pelo que morte e ressurreição já não são mais duas etapas distintas mas coincidem. Assim, tal como os discípulos de Emaús, cujos olhos se abriram e reconheceram Jesus ao partir do pão, também nós podemos ver o Senhor vivo e ressuscitado apesar de morto na cruz e com os vestígios da sua Paixão. Desse modo, ao invés de representar um corte, a Ressurreição de Jesus significa um aprofundamento e plenificação da sua vida, missão e entrega.
Andrés Torres Queiruga afirma que «existe realmente uma experiência nova, causada por uma situação inédita, em que os discípulos e discípulas conseguiram descobrir a realidade e a presença do Ressuscitado». Isso ajuda não só a compreender porque razão Cristo Ressuscitado não se manifestou ao mundo mas apenas aos seus discípulos, fazendo deles suas testemunhas, mas também o que precisamos nós de fazer para podermos outrossim acolher com fé este mistério tão grande: darmos espaço para que a semente divina se desenvolva na profundidade do nosso ser e assim, tal como os discípulos, conseguirmos descobrir a presença do Senhor nas nossas vidas.