A nossa vida capuchinha:
Redes Sociais e Identidade
Francisco Castillo Ramírez, OFMCap.
As redes sociais são espaços ou estruturas que se formam na Internet para facilitar as ligações baseadas em interesses ou valores comuns. Através delas, rapidamente se criam relações entre indivíduos ou empresas, independentes de hierarquias ou limites físico-temporais.
As redes sociais ajudam as pessoas a estarem em contacto permanente, a criar relações para lá do tempo e do espaço, e concede a empresas e organizações a oportunidade de reunirem e de divulgarem online os seus produtos e serviços. No passado, pouquíssimas pessoas terão imaginado o impacto que as redes sociais têm hoje. E o desejo de se conectarem com pessoas de todo o mundo fez com que as pessoas e as organizações mergulhassem nas redes sociais.
Se isso fez com que o mundo passasse a estar interligado a uma velocidade sem precedentes, também trouxe o desafio de possuirmos um instrumento que é preciso aprender a usar adequadamente. A Igreja e a Ordem estão abertas ao uso das redes sociais, sabendo que isso traz consigo enormes desafios às nossas vidas, e conscientes de que é essencial adentrarmo-nos neste novo mundo (novo continente) sem perdermos de vista a nossa identidade e missão. As nossas Constituições dão-nos importantes orientações no que diz respeito ao uso das novas tecnologias e meios de comunicação social atuais:
“Os meios de comunicação social contribuem para o desenvolvimento da pessoa e a extensão do Reino de Deus. Porém, a sua escolha e o seu uso exigem maturidade de discernimento e moderação, evitando tudo aquilo que contraste com a fé, com a moral e com a vida de consagração”. (Const. 96,1)
A Igreja e a Ordem convidam-nos repetidamente a entrar neste novo mundo de forma responsável e com objetivos bem definidos, sem outros que não sejam anunciar a Palavra de Deus e fazer uma aproximação pastoral a estes novos espaços de evangelização. Convidam-nos a entrar, conhecer e refletir sobre estes novos espaços digitais, para fazer deles um bom uso evangelizador.
Contudo, não podemos esquecer os desafios que entrar neste mundo implicam. Gostaria de falar-lhes de dois desafios concretos e sempre presentes, que, na minha opinião, são de grande importância.
Desafios das redes sociais
O desafio da identidade - liberdade: sabemos que as redes sociais nos proporcionam um vasto campo para trabalhar e fazer muitas coisas, dando-nos uma liberdade de expressão bastante mais ampla do que na vida real. Por conseguinte, a pessoa pode expressar-se ou apresentar-se como desejar sem se preocupar com os critérios e opiniões daqueles que estão do outro lado do ecrã. Nas redes sociais praticamente não existem limites, com exceção para as políticas de privacidade das empresas que detêm estas mesmas redes sociais. Os critérios estabelecidos por estas diretrizes geralmente reduzem-se às leis (geralmente fracas) que regulam as comunicações em cada região ou país, ou a simples avisos comerciais.
Ainda hoje, o conceito em si de liberdade nas redes sociais é uma questão discutida. Por exemplo, as notícias de um jovem a quem, em maio de 2022, em Buffalo (EUA), foi permitido transmitir ao vivo o homicídio de 10 pessoas num supermercado. Em resumo, nas redes sociais, é possível contornar os pactos de boas relações sociais que costumamos usar na vida de todos os dias.
Como resultado do conceito errado de liberdade, um dos problemas que emergem nas redes sociais é o da “dupla personalidade”. Por outras palavras, a pessoa pode apresentar-se de maneira totalmente diferente daquilo que é na realidade, o que gera graves consequências para a própria pessoa e para aqueles que com ela se relacionam.
Os riscos mais graves de abuso nas redes sociais são, para além da dependência, o acesso a conteúdos inapropriados, assédio e perda da privacidade. Nas redes é possível aceder a conteúdos pornográficos ou violentos, transmitir mensagens racistas ou que visem problemas específicos (por exemplo, a anorexia), e incentivem ao suicídio ou a cometer delitos criminais (por exemplo, corridas ilegais de carros). “Há ainda o risco de criar uma identidade fictícia, enriquecida com características de engano, auto-engano ou fantasia…. De qualquer modo, a confusão entre o íntimo, o privado e o público é facilitada". (Becoña, E. (2006). Adicción a las nuevas tecnologías. Vigo: Ediciones Nova Galicia).
“Info-obesidade”
Nos últimos anos, como resultado da saturação da informação a que somos expostos diariamente nesta cultura altamente digitalizada, desenvolveu-se uma nova teoria antropológica que se chamou de “info-obesidade” ou sobrecarregamento de informação. Esse é um fenómeno que geralmente ocorre quando a quantidade ou intensidade da informação excede a limitada capacidade humana de refletir ou processar tal informação. Normalmente, esse tipo de situação verifica-se sobretudo nas redes sociais, onde há uma grande abundância de imagens, textos, notícias de acontecimentos que muitas vezes ocorrem a milhares de quilómetros de distância, comentários negativos (haters/trolls) ou simplesmente informações distorcidas ou de proveniência falsa (fake news).
Esta intoxicação de informação, com a abundância de informações (muitas vezes inúteis, incorretas ou incompletas) e o nosso próprio limite pessoal na capacidade de as processar, produz em nós uma série de reações negativas tais como a ansiedade, engano, isolamento, etc., levando-nos a acreditar que isso é um pré-requisito da comunicação moderna, e, eventualmente, levando-nos a sentir que é nosso dever partilhar tudo o que pensamos, dizemos e fazemos; com efeito, levando-nos a perder a nossa própria liberdade, intimidade e até a nossa identidade.
Como capuchinhos, como deveríamos estar presentes nestes novos espaços digitais?
Privacidade: Antes de tudo, é importante aprofundar um aspeto que é recorrente nas redes sociais, que é o “personalismo”. Nós sabemos que os “perfis” nas redes sociais são pessoais e podemos fazer deles aquilo que queremos. Mas devemos ter claro que, apesar desses espaços serem pessoais, nós pertencemos a uma instituição que tem a missão de testemunhar ao mundo um determinado estilo de vida, um carisma.
Assim, o modo como nos apresentamos nesse mundo, deve ser o de frades menores, porque o objetivo da nossa presença nesses espaços digitais é a evangelização e o testemunho da nossa vida. Desse modo, em muitos casos, evitaremos transformar as redes sociais em lugares de fuga ao invés de lugares de encontro.
Como nos identificamos: A nossa forma de vida implica viver o Santo Evangelho em todas as realidades. Isso inclui estes novos espaços digitais que hoje, mais do que nunca, precisam da nossa presença. A forma como nos apresentamos nestes espaços não tem outro objetivo a não ser o de mostrar esse nosso estilo de vida através do testemunho e da nossa identidade como frades.
Devemos, pois, ter isso em conta na nossa presença nas redes sociais, através das nossas publicações, palavras e ações, procurando sempre estabelecer relações transparentes que tornem presente a fraternidade evangélica e mostrem ao mundo o nosso modo de ser irmãos menores, homens de paz.
Fraternidade: ser irmãos é o cerne do nosso modo de vida, por isso é que as nossas fraternidades jogam um papel muito importante no modo como nos comportamos nas redes sociais, e por isso é que é tão importante ouvir os irmãos e, se necessário, aconselha-los sobre o modo como usamos estes espaços.
Uma última proposta: um claustro virtual
Nós sabemos que a nossa vida tem uma dimensão íntima e contemplativa, por essa razão, devemos vigiar sobre aquilo que publicamos e a forma como ocupamos o espaço virtual nas redes sociais, porque embora tenhamos a possibilidade de publicar o que quer que queiramos, há coisas que é bom reservar para a intimidade das relações fraternas.
Lembremo-nos que o objetivo é dar testemunho, cuidar e preocuparmo-nos com os mais “pequeninos” do Reino de Deus. Na nossa vida do dia a dia, deveria haver sempre, pois, “claustros virtuais”, espaços desligados da rede, que favoreçam uma maior intimidade fraterna.
Tradução de Hermano Filipe, OFMCap.