A Igreja na Internet: tudo tem o mesmo valor ético?
Na solenidade da Ascensão do Senhor, celebramos, também, o Dia Mundial dos Meios de Comunicação Social. A mensagem do Papa Francisco, para este dia, é dedicada ao tema da narração. Um texto belíssimo que nos recorda o quanto precisamos de, no meio de tantas mensagens que confundem e desorientam, ouvir histórias que edifiquem e fortaleçam: «uma narração humana, que nos fale de nós mesmos e da beleza que nos habita; uma narração que saiba olhar o mundo e os acontecimentos com ternura».
Há muito que a Igreja encontrou nos Meios de Comunicação Social um instrumento válido para narrar aos fiéis a sua doutrina e a Sagrada Escritura, que é uma «História de histórias».
Mas, em tempos de confinamento, por causa da Covid-19, o zelo pastoral de muitos sacerdotes e leigos comprometidos levou não só ao uso dos meios digitais, mas, sobretudo, a habitá-los, a povoar a “rede” com informação, e, sobretudo, com pessoas, com histórias de vida, com narrativas, com afetos, com diálogos e encontros, que convidam a um posterior encontro pessoal. E que os meios digitais permanecerão como um complemento a esse encontro pessoal, poucos duvidam.
Mas como? Com que programas? Em que plataformas? É tudo igual? Tudo tem o mesmo valor ético?
Em 2002, a Igreja publicou dois documentos que o(a) convido a (re)ler: “Igreja e Internet” e “Ética na Internet”. Neste último, no nº 6, levantam-se algumas questões em torno da privacidade, da segurança e da credibilidade dos dados, dos direitos de autor e da lei de tutela da propriedade intelectual, da pornografia e da disseminação de boatos, etc. Dezoito anos depois, muitas mais questões se poderiam enunciar: o impacto da Internet e da tecnologia na saúde, na família, nas relações interpessoais, no emprego, no meio-ambiente, entre outras.
Mas aquilo a que hoje se assiste é à adoção, por parte de pastores e fiéis, de programas e plataformas pela simples razão de que se tornaram “virais”, sem que se reflita sobre o seu valor ético. Usa-se porque toda a gente usa. E desde quando isso passou a ser critério para a Igreja?
A leitura das Políticas de Privacidade dos serviços online poderia ser suficiente para perceber a diferença entre programas desenvolvidos por uma “comunidade” de programadores e tradutores voluntários, e programas desenvolvidos por empresas “proprietárias” como a Google (Gmail, Drive, etc.), o Facebook (Facebook, WhatsApp e Instagram), a Amazon, a Microsoft ou a Apple que, em conjunto, detêm informação da maior parte da população mundial que acede à Internet.
Estas últimas empresas oferecem produtos e serviços com muita qualidade e de fácil utilização, e muitos deles gratuitos. Mas lembremo-nos, no que se refere a empresas comerciais, com fins lucrativos:
«If you’re not paying for it, you become the product!»
Lembra-se daquela janela – obrigatória pelo Regulamento Geral de proteção de Dados – que aparece quando acede a serviços ou visita páginas na Internet e na qual você, provavelmente, já carregou em “aceito” ou “autorizo” sem ter lido? Muito resumidamente, tem a ver com recolha de meta-dados dos seus emails, morada, contatos, agenda, geo-localização; quem fala com quem, quem compra o quê, de que gosta de comer e de vestir e de que não gosta; próxima viagem de sonho, etc.
O “software livre” e o “software de código aberto” não são a mesma coisa mas partilham vários valores comuns e, pelo menos um deles, com a Igreja Católica: a solidariedade. No conjunto dos milhares de programas que integram aquelas categorias, são milhões de pessoas – uns escrevem o código, outros traduzem manuais e outros divulgam – aproximadas pelo único desejo de criar um produto livre e com qualidade, que é colocado ao serviço da comunidade.
Sem querer cansá-lo(a), apresento uma brevíssima lista de software gratuito, alternativo ao mais usado pela generalidade das pessoas:
TIPO | SOFTWARE “VIRAL” | ALTERNATIVAS “ÉTICAS” |
Sistema operativo: | Windows; Mac OS | Linux (Gnu, PureOS, Debian, Fedora, etc). Eu uso o Ubunto Mate |
Browser (navegador): | Google Chrome, Edge (Internet Explorer), Safari, Opera | Firefox, Brave, Tor. Eu uso o Firefox |
Motor de pesquisa: | Google, Yahoo, Bing | Firefox, DuckDuckGo, Ecosia. Eu uso DuckDuckGo |
Correio eletrónico (e-mail): | Gmail, Yahoo Mail, Outlook, Apple Mail | Thunderbird + Enigmail, Kmail, ProtonMail, Tutanota, Roundcube. Eu uso ProtonMail e Thunderbird |
Pasta virtual / cloud: | Dropbox, Google Drive, iCloud Drive, OneDrive | Nextcloud, Seacloud. Eu uso Nextcloud |
Office (processador de texto, folha de cálculo, etc): | Microsoft Office, Google Docs | LibreOffice, OnlyOffice, Collabora Online. Eu uso LibreOffice |
Mensagem instantânea: | WhatsApp, Facebook Messenger | Signal |
Vídeo-conferência (grupo): | Skype, Zoom, Google Meet | Jitsi Meet |
Publicações curtas: | Mastodon | |
Formulários online: | Google Forms | Webform |
Transferência de ficheiros: | Wetransfer | Firefox Send, Lufi |
É verdade que há programas que se tornam “virais” porque são gratuitos e fáceis de usar mas, também, porque têm atrás de si empresas dispostas a gastar milhões na sua divulgação porque acreditam que o retorno económico será muito maior. É que os meta-dados já valem mais do que o petróleo!
Mas a Igreja deve, definitivamente, perguntar-se se deve “ir na onda” ou, pelo contrário, se deve adotar e recomendar às suas paróquias e pastores o uso de “software livre” e/ou “open source”.
Neste Dia Mundial das Comunicações Sociais, não basta, por isso, manifestar o desejo de reinventar a presença da Igreja no mundo digital. É preciso também pensar com que software, em que plataformas e, sobretudo, com que opções éticas.